O DOC, pela “enésima” vez, mostra o horror do machismo, a incapacidade de continuarmos aceitando socialmente a agressão sexual de mulheres e a reação que nós invariavelmente sofremos, quando formalizamos acusações judicialmente: “estava com qual roupa, se ofereceu, aceitou, não foi clara o bastante, o que fazia naquele lugar, por qual motivo bebeu, foi permissiva – mas que, desta vez, movimentaram o mundo.
Nem é o caso de dizermos o que estava bem ou não no filme, mas na nossa necessidade de reafirmamos sem parar que a doença é masculina, esteja ela no estuprador em si ou nos julgamentos das vítimas, em seguida. Portanto, mais uma vez a ação em manada foi justificada – quase aceita socialmente, à medida em que a condenação nasceu excluindo o crime de estupro, de agressão sexual dolosa – o que em si, já é uma ofensa para uma mulher que apesar de ter denunciado um estupro coletivo, teve que ouvir de juízes se aquele horror foi consentido ou se teve prazer. Como se houvesse algum prazer em ser estuprada por cinco homens ao mesmo tempo, ter o celular roubado, ser abandonada em trajes menores e ter que voltar para casa sozinha, sem apoio nenhum.
Mais uma vez indico filmes que falam de agressões sexuais cometidas pelo gênero masculino, contra o gênero feminino – o que inclui também mulheres trans – para apontar que há uma questão encoberta permanentemente pela justiça, pela polícia e pela sociedade – não coincidentemente lideradas por homens cis e héteros. Eles precisam permanentemente inferiorizar, menosprezar o gênero feminino para justificarem o uso de sua agressividade contra nós. Autoafirmação? Insegurança? Doença? Impunidade? Medo de competir de igual para igual? Poder? O fato é que o filme coloca como a repetição das mesmas ações é cansativa, insuportável, mas que isso não impede a sociedade de repetir e repetir a agressão.
A narrativa é dolorosa, dantesca, insuportável, nojenta. A postura masculina é, além de tudo isso, criminosa e mentirosa. Ver, nos dá a dimensão de que não podemos fraquejar e não podemos permitir que eles desviem nosso olhar para futilidades como “se o xixi das mulheres trans pode ou não conviver com o nosso xixi, no mesmo banheiro”. Isso porque não somos estupradas por mulheres trans, nem abusadas, nem violadas, nem espancadas, nem assassinadas, mas sim pelo gênero masculino heteronormativo – e ninguém fala, ninguém levanta essa maldita questão. Fala-se de Deus, de xixi, de pecado, mas nunca se fala, nunca se pergunta a nenhum homem qual é o problema.
NO ESTÁS SOLA é mais que um grito, é um esgar. É mais do que uma história, é uma posição social da qual precisamos nos livrar e que está aqui entre nós a cada Daniel Alves e Robinho – soltos, na nossa cara, passeando com seu dinheiro nojento.
É um filme imperdível. Vejam com seus parentes masculinos; falem o que sentimos para estes parentes masculinos.
Denunciem todos os bastardos. Não é não – e a qualquer momento. O corpo é seu.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Este filme/documentário é muito emocionante e incómodo. Emocionante por mostrar como nós mulheres temos força para mostrar a justiça, mostrar como o mundo deve ser equitativo, a quem? Aos homens, habituados a terem tudo e a continuarem a se proteger, a esconder suas fragilidades, suas misérias. Porque as misérias das mulheres são sempre expostas e parece que é assim que tem de ser, mas os homens? Os homens nunca mostram as suas misérias porque tem sempre um homem ou mais que cobrem, protegem, mentem por eles. É impressionante. É mesmo emocionante perceber como esta menina teve tanta força, coragem, determinação. Como sua mãe, a mãe de outras meninas que passaram pelos mesmos horrores ou piores, se mantêm de pé, enfrentando a pressão da sociedade machista tentando transformá-las em frágeis e incapazes. Emocionante ouvir um dos policiais dizer que não queria assistir ao vídeo, ser obrigado a assistir pelo seu chefe e perceber facilmente que era um estupro – não uma orgia em que todos estavam de comum acordo – além de perceber perfeitamente que não era a primeira vez que eles – a manada – faziam semelhante horror. Emocionante como as mulheres e os homens de bem de Espanha se movimentaram e estimularam uma lei nova, mais justa.
É um filme/documentário incómodo porque estão ali todos os comportamentos padronizados – e iguais em qualquer lugar do mundo, é impressionante – dos homens perante as mulheres. Um mundo que insiste em se manter machista, patriarca, considerando as mulheres menores, considerando que os comportamentos dos homens sempre têm justificação, desculpa. É mesmo um incómodo perceber que todas as mulheres, todas no mundo, sofreram, sofrem e vão sofrer nestes ambientes sempre desculpando o homem e acusando a mulher. Faça o que cada um faça. Isso nem lhes interessa. Depois quantas mulheres estão em lugares de poder para poderem ter a possibilidade de falar pelas mulheres? É incómodo perceber que sempre são os homens a decidir, a legislar, a documentar.
Finalmente, a esperança. As mulheres: jornalistas, advogadas, juízes (muito poucas), mães, família, amigas, etc, estão começando a perceber que precisam falar, precisam agir, precisam expor o que vivem, para a sociedade finalmente perceber a dimensão do que vivem, do que sofrem, do que aguentam.
OBRIGATÓRIO PARA TODOS E TODAS, MAS MAIS OBRIGATÓRIO PARA AS MULHERES. Precisamos buscar o que nos é devido, precisamos impedir que apenas os homens decidam sobre as nossas vidas e ditem sobre os nossos sofrimentos. Basta. Basta. Basta.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Com testemunhos impactantes, este documentário analisa um estupro coletivo que ocorreu durante o Festival de São Firmino em 2016 e gerou protestos em todo o mundo.
Direção: Robert Bahar e Almudena Carracedo
Elenco: Natalia de Molina, Carolina Yuste, Óscar de la Fuente.
Trailer e informações: