Nós engolimos em seco e vemos, inúmeros filmes de racismo porque é importante continuarmos a falar do tema, até que pareça insuportável conviver, ver ou testemunhar como falam os filhos do racismo brasileiro – que é visível porque desdenha, menospreza e finge que não está fazendo nada, nunca. Racismo que não inclui apenas a raça negra, mas que aqui virou uma metralhadora que atira contra negros, indígenas e mestiços – ou seja, nós todos, praticamente, os não filhos dessa nossa “pretensa aristocracia” que se vê branca ao olhar no espelho, sem perceber que não existem brasileiros brancos.
FILHOS DO ÓDIO, não à toa, produção executiva de Spike Lee, nos coloca na década de 1960, entre os protestos por direitos e liberdades civis para todos os americanos, o que no Sul provoca revoltas dos brancos, que se sentem “atingidos pela cor” que exige mudanças, sem violência - todo mundo conhece essa história, creio.
Ali, Bob Zellner prova que coragem não tem cor. Ao contrário: a cor da coragem é qualquer cor que queira assumir a justiça como bandeira. Diante do que vivemos atualmente, onde já se tornou rotina ouvirmos barbaridades econômicas, educacionais, de segurança, moradia e saúde excludentes, é talvez o incentivo pra que todos nós, brasileiros, mestiços de todas as raças, empunhemos uma bandeira nova, não verde e amarela, mas aquela que tem o fogo das queimadas que precisamos estancar, junto com a fome, a miséria, a tristeza, a doença e falta de vontade de encarar uma pessoa mestiça e cega para a verdade de que nós precisamos nos ajudar. Ajudar não é andar de moto, não é comprar camisa da seleção, não é ser machista, grosseiro e insuportavelmente sem repertório de justificativas, diante de fatos indiscutíveis. Há diferenças sociais tão grandes que precisam da nossa interferência, da nossa exigência – assim como no filme.
Há, em cada um de nós, no mundo inteiro, um Bob Zellner - que vê o que precisa ser feito e sem camisetinha, arminha ou motinha, se une aos que precisam de palavra, de justiça, de apoio. O filme tem que ser visto porque algo precisa ser feito para impedir “os comprados a nos venderem” tão barato. Em curto espaço de tempo, o Brasil vai precisar ser reconstruído – e vai ser um longo trabalho, que precisa das mãos de cada um de nós, de todos nós, desse coletivo semidestruído, com centenas de milhares de mortos, sequelados e empobrecidos que somos nós.
Na década de 60, parecia impossível e agora, os olhos choram o que nem chegamos a ganhar. Mas lá no filme se precisava começar e a união (santa palavra) de pessoas em torno de ideias sobre justiça social, iniciou a discussão que ainda persiste com perdas como as George Floyd. Aqui, temos indigestões diárias de João Alberto Freitas – que muitos já nem lembram quem é, de tanto verem outro e outro e outro. Todos os dias. Quem não foi assassinado, pode ter sido espancado, preso injustamente, julgado e condenado sem provas reais de cometimento de crime. Pobres que não sabem cantar, não estudaram, não falam com desembaraço e que são humilhados indistintamente, aqui.
Nesse sentido, FILHOS DO ÓDIO deveria fazer parte de filmes indicados para serem vistos online, nas escolas – porque precisamos mostrar que sabemos o que está acontecendo, que muitos, muitos dos nossos morreram e que não há pior mal do que a injustiça diária de um País apartar alguns premiados, do resto da população.
Nós sabemos o que é isso e a nossa bandeira é a nossa união; nós temos a mistura de raças como cor, nós vivemos e descendemos dessa mistura de dor, que não pode virar egoísmo e sim amor.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme produzido por Spike Lee é sempre obrigatório. Sobre uma história verídica, mais ainda.
E senhores, que história real!! Um neto de um dos membros da KKK (Ku Klux Klan), numa das épocas mais perigosas da história do racismo na América, foi salvo por um pai sensato e justo que o estimulou e o incentivou a seguir o bem, a equidade, a justiça. E, desse percurso extremamente imprevisto e inusitado, no Alabama, surge um homem branco, loiro e de olhos azuis, contra o racismo, que se voluntariou, seguiu o caminho justo e lutou contra um sistema pesado e perigoso, sendo mesmo 17 vezes preso. Ele próprio afirmou que os negros eram pessoas mais fortes, mais corajosas, mais resilientes, mais justas. Totalmente de acordo. E que tudo o que era e ainda é feito é extremamente injusto e absurdo. Totalmente de acordo.
Teve muito medo, queria ajudar mas não queria deixar de fazer o caminho pensado para a sua vida, mas o sentido de justiça e a urgência da situação lhe deu as respostas.
O filme termina com uma frase simples dele – Bob Zellner - que diz mais ou menos que, sempre que virmos algo injusto, algo errado, devemos falar, alertar, fazer algo para que essa injustiça não permaneça. Andamos tão calados, escondidos, cegos, em relação a tanta coisa errada, hoje em dia, no Brasil, que eu aconselho vivamente este filme a todos. Quem sabe algumas almas acordam da anestesia ou sono em direção a um mundo mais justo.
Bons atores, boa produção. Presença da ironia e sentido de humor de Spike Lee no roteiro, na direção. Compreensível. Seria um filme dificílimo se fosse só sério. Mesmo assim já provoca lágrimas de tristeza e de revolta. Obrigatório. Obrigatório nas escolas. Obrigatório conversa no final.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Nos EUA dos anos 60, o neto de um membro da Ku Klux Klan luta contra o racismo da sua cultura e se torna um ativista de direitos sociais. Baseado em uma história real.
Diretor: Barry Alexander Brown
Elenco: Lucas Till, Jim Klock, Michael Sirow
Trailer e Informações:
https://www.imdb.com/title/tt2235372/
https://www.netflix.com/br/title/81413780