O DOC é, de algum modo, petrificante. Não apenas porque atesta fatos reais; mas porque o fato real persiste 80, 90 anos depois. É ultrajante você pensar ainda hoje em nazismo e ter que incluir o Brasil, País com 4 milhões de almas trazidas à ferros, escravizadas no passado. Não deveria ser assim. A história nos fez mestiços. Somos miscigenados. Não acredito que uma dúzia de sobrenomes importantes ainda algemem o Brasil como um todo.
O MENINO 23 conta exatamente essa história e como, de que forma, os adultos que viveram os fatos se posicionam diante do peso da percepção de se sentir escravizado no século XX, em São Paulo.
O filme converge para o centro da sua emoção e se você pensa que vai chorar, não vai – o filme “seca” suas emoções e aqui e ali seu coração transborda sim, mas de raiva e de revolta. A sobrevivência pura e simples não consome emoções de pouca energia, como tristeza. Ficam portanto conosco, mesmo quando o filme acaba, as emoções de raiva e revolta. Plenas. Vivas. Presentes.
Olhar para o que acontece hoje nos quarteis do Brasil, ensina o que não se deve nunca mais permitir que aconteça. Nos dá consciência de quem somos, o que fazemos e o que não devemos permitir. Ninguém, nenhum regime, pode facilitar a obtenção de lucro através do sacrifício de ninguém, sob nenhuma desculpa. Reconstruir direitos é uma tarefa diária de todos nós, que começa com dividir cumprimentos, bons dias, interesses. Um sobrenome não atesta a superioridade que brota do tom de voz, o menosprezo, a humilhação, a falta de compromisso com a justiça.
O MENINO 23 também dá vergonha. Aqui no Brasil, o que deveria ser copiado da “Senhora Europa” – calçadas abertas, direitos civis, espaço urbano decente, transporte de qualidade – nunca nos chega. Mas o nazifascismo chega praticamente ao mesmo tempo de sua concepção. Da escravização a eugenia em um pulo, senhores! Que vergonha.
Grande montagem, com falas secas e olhares autoexplicativos. Deveria habitar a educação formal e informal – e por isso o Bug Latino a aponta, recorta e recomenda. É indispensável falar dessa estratificação às avessas, dessa cultura de menosprezo e principalmente do combate ininterrupto a ações assim, a pessoas assim. Isso não é ideologia – é crime. Assim devemos ver e assim devemos lidar com o fato. O Brasil foi construído com a dor dos oprimidos. E o podemos reconstruir com o nosso desejo de começar a viver plenamente, ao invés de apenas sobrevivermos.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Documentário obrigatório.
Crianças negras em orfanatos que se tornam propriedade de gente rica – branca. Que se transformam em números, que são tratadas como números – por gente rica, branca. Uns números mais “bem tratados” ou melhor enganados – pela gente rica, branca. A dor de vidas – de crianças negras pobres - sem infância, sem segurança, sem carinho, sem nada. Pessoas que apenas têm outra cor. A Europa numa época de pré-holocausto e o Brasil mantendo o racismo a todo o vapor.
Confirmamos a importância inequívoca do cinema, dos documentários, de fotografia, de documentos, de depoimentos, na história e na sociedade, para adquirirmos noções reais do mundo em que vivemos, para depois realmente podermos contribuir para a justiça e para um dia sermos melhores pessoas. É muito importante que crianças, jovens, adultos saibam tudo isto, no mundo inteiro. Mais um documentário obrigatório para as escolas. Estas pessoas precisam ter vergonha do que fizeram e precisam ser punidas. Nem que seja de forma póstuma.
A história do Brasil tem tanto de crueldade, de desumanidade, de injustiça e ao mesmo tempo os melhores cartões postais, a beleza natural mais pura e apelativa. É tudo muito chocante. O Brasil é terrível e assustadoramente agridoce. As crueldades cometidas por pessoas brancas, ricas e com poder para fazerem o que quiserem, como e quando quiserem deixam uma pessoa envergonhada, estarrecida, esmagada. E, de outra forma, esse “status quo” permanece atualmente. Ter uma determinada cor, um determinado nome, viver num determinado lugar, abre todas as portas, sem precisar ser competente, sem precisar ser talentoso, sem precisar de nada. Uma outra cor, outra conta bancária, outro nome, outra nacionalidade, outra casa, penará a vida inteira.
O documentário também nos mostra como a vida, de uma forma ou outra, um dia te dá a “conta” quando achas que vais ser o “esperto” ou quando achas que sabes te dar bem, ou, eventualmente, quando te sujeitas ao que os outros querem, ou aceitas te vender.
Fiquei muito machucada com este documentário. Acho que quem é professor, quem estudou o valor e a importância que a infância tem na nossa vida, quem estudou o valor monstruoso destas atrocidades na vida das pessoas, ficará machucado igualmente.
O Bug Latino quer sempre contribuir para melhorar, mudar, resolver todas estas dores, mágoas, feridas. Estamos aqui e queremos que nos diga como acha que devemos ou como podemos ajudar. Mesmo sem termos “nome”, riqueza, seguiremos pela justiça, humanidade, equidade, dignidade humana.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: A partir da descoberta de tijolos marcados com suásticas nazistas em uma fazenda no interior de São Paulo, o filme acompanha a investigação do historiador Sidney Aguilar e a descoberta de um fato assustador: durante os anos 1930, 50 meninos negros e mulatos foram levados de um orfanato no Rio de Janeiro para a fazenda onde os tijolos foram encontrados.
Direção: Belisário Franca
Elenco: Sidney Aguilar Filho, Argemiro Santos, Aloísio da Silva.
Documentário na íntegra: