Não sei bem se todas as famílias deveriam ver o filme nesse momento de COVID 19, mas certamente devem tentar vê-lo quando estiverem prontas pra ele. Porque ao mesmo tempo em que somos empurrados para ter e nos empanturrarmos para ter mais, não sabemos o que fazer quando tudo o que nos resta é nos desapegarmos e irmos em frente.
Vamos passar por essa dor indescritível agora, depois de a assistirmos na China, Itália, Espanha, América, Equador. Mas cada perda é inconcebível, antes que ocorra. Mas quando acontece, quando devemos levantar os olhos e nos movermos? Guardar coisas que levantam lembranças é uma forma “apegada” de não perdermos nossas memórias? Guardei de minha avó a ideia de que queijo ralado de pacote não era tão gostoso quanto o fresco, de meu tio a ideia de cortar as laranjas com casca e tudo em 4 partes, de meu pai a felicidade de ganhar um chocolate delicioso por semana, de minha mãe a coragem de dizer que uma coisa era horrível. Eles se foram todos e deixaram nítida e concretamente não a dor – que o tempo esmaece – mas o conhecimento, a memória de algo.
O filme cava com a gente o buraco mais fundo das recordações e aponta a nossa resistência em admitir que não precisamos de nada além do que temos dentro de nós. Mas é uma jornada de dor e de silêncios e de soluços e de lágrimas. Nós sabemos. Porém, quem não tem medo de sentir dor? Quem não escolheria “pular” momentos difíceis, de perda? Apenas não conseguimos fazer isso. Pode até o rei, o presidente dizer que podemos pular momentos – mas o fato é que precisamos nos preparar pra eles.
NOSTALGIA é um filme que fala de perdas. Só isso. É o tema do filme, concretamente. O Bug viu porque nossa querida Suzana Argollo do Circuito Saladearte comentou sobre a relação entre o COVID 19 e o filme. E a dor se estende para além das paredes do filme e chega às notícias onde as mortes não param de aumentar. Uma pessoa morta é dona de inúmeras recordações porque é o que cada pessoa deixa entre as outras. Alguma, além, deixa um cordão, um disco, uma música, uma foto em papel, uma pasta de fotos no computador, um áudio no WhatsApp. E aquilo que é tão pueril quanto nada, vira um momento. Não pela foto, mas pelo que somos. Porque não somos compradores inveterados. Somos pessoas que tentam completar seus vazios. E precisamos de ajuda. Às vezes dos Governos e outras vezes precisamos mergulhar em nós, nos buscarmos e acharmos pessoas que fazem parte da nossa jornada, na vida. Os vivos e os mortos. Os que agora estão vivos, mas não têm nenhuma garantia de viver, nem de morrer – como o que está diante de nós.
Se puderem, se estiverem fortes para este mergulho, vejam o filme agora. Mas usem o momento para falarem de nossos medos primordiais – o de perder pessoas que amamos e não estarmos preparados, de irmos sem deixarmos recordações ou de sermos raízes podres que a história vai lembrar com desdém. Mas falem. Usem o fato de estarmos em casa para o nosso exercício mais humano – a palavra.
Coragem pra todos nós porque o mundo vai continuar a se esvair em pessoas.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Um filme que fala de perdas, de desapego, de saudade, dos imprevistos da vida, do valor que as coisas e as pessoas têm, da vida.
Não dá para guardar as coisas para tentar guardar os sentimentos e momentos importantes. Coisas são coisas, nada valem. Mas nelas estão depositadas as nossas memórias do passado. Para alguns elas servem para manter esse sentimento ou para manter a presença dos que perdemos. Em algum momento da vida essas coisas que vamos comprando e armazenando serão o que resta de nós, quando formos embora. É isso que queremos deixar? Por outro lado, serão apenas as coisas que ficarão dos que amamos. Quando os que amamos vão embora antes de nós, ficam as suas coisas, a sua casa, roupas, livros, objetos que amava. Atualmente, nem sempre ficam coisas, ficam dados. Uma pen, um HD, e-mails, conversas de Whatsapp, redes sociais que precisam de senha de acesso. Podemos nunca ter acesso ao que a pessoa deixou, ao que era. Mas quantas vezes convivemos com as pessoas em vida mas não sabemos nada delas? Nem elas de nós? Vivemos escondidos nas senhas e no faz de conta, “estou bem sim, obrigada”. Escondemos a nossa verdade achando que estamos a esconder as fragilidades que podem nos dificultar o caminho do sucesso. Tão errados que estamos! Mostremos um pouco mais do que somos. As fragilidades são características momentâneas que mostram a coragem de ser verdadeiro. Ser verdadeiro e poder ver a verdade nos amigos e na família é aproveitar o tempo e os dias que passamos aqui. Porque não fazemos a mais pequena ideia de quanto tempo temos aqui. Nenhum de nós. Muito menos agora.
Excelentes atores. Trilha sonora/ banda sonora linda! Aqui está um filme que tem um significado aos 18 anos, outro aos 30, outro aos 50, aos 70, aos 100... Tempo de vida, dor, experiência, sofrimento, perda, no ADN, muda nossa forma de olhar para um filme assim.
Sempre que perguntavam a Manoel de Oliveira, um dos grande realizadores de cinema de Portugal, que morreu com 107 anos e que até bem perto do fim ainda fazia filmes, o que significava ter mais de 100 anos, ele dizia que sentia uma saudade e uma solidão muito grande. Porque o mundo que ele conheceu deixou de existir, bem como toda a família e amigos. Que na verdade não era assim uma coisa tão boa viver tantos anos porque se perdia tudo e todos. Para nós que queremos viver muitos anos ou para sempre, é bom lembrar estas palavras.
Neste momento este é um filme difícil, mas que deve ser visto. Está passando nos canais da Telecine, gratuitos e acessíveis a todos neste momento. Em casa.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
https://www.imdb.com/title/tt6456222/
Circuito de Cinema Saladearte
Espaço Itaú de Cinema - Glauber Rocha
https://www.itaucinemas.com.br
Telecine (gratuito para todos neste momento)