Um filme que desperta sentimentos primitivos, agressivos, de defesa essencial. Para nós, do gênero feminino, obrigatório por muitos motivos, dos quais o principal é que os homens insistem em colocar uma cortina de fumaça na discussão do abuso sexual. Ninguém fala disso por aqui - e também na Índia.
A frase “é o sistema” nos persegue o filme inteiro. Mas o sistema é masculino, foi feito pelo masculino, tem regras masculinas. Portanto, a cena 1 do filme INDIFERENÇA é com uma adolescente aos berros, totalmente descontrolada e homens asquerosos rindo ao comentarem que ela, por ter lutado contra o estupro, teve introduzidas pimentas fortíssimas na sua vagina.
Cena 2: Como gritou muito, foi sufocada até a morte.
Machismo é discussão necessária - nesse mundo, nessa vida. Falar de exercício de cidadania e de responsabilidade social, sem falar de machismo, de violência de gênero é... jogar fora mais de 50% da humanidade, ou seja, nós todas. Todo o gênero feminino, somando mulheres trans, héteros, lésbicas, gays.
Ver o que é Dharma, se perguntar qual é afinal o seu papel nessa vida, também é essencial, após o filme. Você reclama das coisas, mas não toma nenhuma iniciativa? Não tenta unir ações? Na prática, então, as pessoas acham que reclamar é alguma coisa, mas sinto – reclamar não é nada.
O trabalho de Bhumi Pedneka, a jornalista, é perfeito. Sem querer, ela te coloca no lugar da escolha: você é daquelas que luta por um ideal ou é do tipo omisso? Onde está a sua responsabilidade? Que lugar você quer ocupar no mundo?
Em contrapartida, que atores maravilhosamente bandidos, terríveis, asquerosos – destacando Aditya Srivastav. Que mergulho nas trevas humanas eles tiveram que fazer...
Pra você que prega pela melhoria do nosso exercício de cidadania: enquanto não houver acesso à possibilidade de dar queixa, reclamar e pedir ajuda estaremos longe dela. Cidadania sem acesso ao direito é apenas um vocábulo – mas nós podemos transformar essa palavra – CIDADANIA – em algo vivo. Basta querer. Basta olhar a palavra pensando que ela é a porta, o acesso para o seu exercício.
Imperdível nas casas, nas famílias. Impreterível a conversa com os homens héteros. Para dar o basta, precisamos da ajuda de todos.
E você? Por que nasceu neste mundo? Por que ocupa uma vida? O que está fazendo aqui? Qual é a sua responsabilidade diante do que vê?
Boas perguntas.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Temos visto alguns filmes indianos, corajosos, porque desvendam e divulgam problemas gravíssimos da sociedade – neste caso da sociedade indiana, mas problemas semelhantes podem estar mais perto de nós do que julgamos e este filme nos alerta para isso. Também nos estimula a agir quando vemos ou ficamos a saber de algo grave. Calar, algo que a sociedade ensina bem, deve ser combatido. Precisamos falar, conversar mais, mas dizendo o que é importante, o que pode ajudar os outros, o que nos pode salvar a todos. Calar é aceitar que situações tão lamentáveis, tão horrorosas, tão graves, permaneçam.
Um abrigo para crianças órfãs, na verdade era um lugar do horror, um inferno para aquelas meninas que não tinham quem as protegesse. O poder público, as instituições sociais, ONG, a polícia, o que você imaginar, tudo organizado para esconder e manter a situação. Para piorar, todos usufruíam dessa situação.
É um filme difícil, mas é um filme importante. As mulheres, as jovens, as crianças mulheres, continuam a pertencer a um segundo nível na sociedade? Porquê? Para que nos permitam, de vez em quando, algum espaço, mas com a intenção de dizer que o fizeram porque são boas pessoas? É tudo tão horroroso que dói demais. Veja o filme e perceba que você, eu, cada pessoa, tem importância e pode ajudar a salvar pessoas desamparadas.
Excelentes interpretações, tão boas que alguns homens nos deixam com asco, tão bem que fazem os seus papeis.
Repito, é na Índia que se passa, mas nos deixa alerta para vigiarmos o nosso entorno e agirmos se necessário for para proteger pessoas, jovens ou não que não estão tendo a sua liberdade e seu pudor respeitados e uma jornalista que se arrisca, que estremece as estruturas machistas até da sua própria família, perseguindo os malfeitores e sem desistir. Como ela falava no filme, como podemos nos sentir felizes, na nossa vida, quando sabemos que meninas, jovens, crianças, estão sendo maltratadas em todos os níveis? Isso não é possível num ser humano de bem. E nós somos todos seres humanos de bem, certo?
Bom filme.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Uma jornalista local começa uma investigação sobre casos de abuso encobertos em um abrigo para meninas.
Direção: Pulkit
Elenco: Bhumi Pednekar, Sanjay Mishra, Aditya Srivastav.
Trailer e informações: