O cinema oriental cada vez mais me coloca diante de uma dramaturgia cujo objetivo é tornar a nossa percepção dela indeterminada, com uma trama complexamente invisível. É como se a gente fosse ver uma ficção que nos arremessa para a vida real, para o que poderia ser o desdobramento do jornal.
Por isso mesmo, é muito impactante. Atores caracterizados como gente comum – isso é caracterizar ou descaracterizar completamente? Descabelados, sem grandes gestos, cabelos por retocar. Alguém é intolerante, alguém é intolerável, alguém está perdido e tenta se encontrar de novo e alguém, para salvar o que se perdeu, aceita que precisa se desviar do dito certo – como se tudo pudesse ser visto assim, preto no branco, sem misturas e a vida viesse insistir que existem cinzas, cinzas e cinzas.
Externas de uma beleza incrível, contrastando com cenários onde nada parece ser compatível com nada, com casas escuras, feias, pouco funcionais. E o filme é como um ônibus antigo que balança em uma direção monocordicamente e de repente descamba pra outra – o que nos deixa cada vez mais diante das derrapadas da vida real.
Atores maravilhosos. Nas primeiras cenas você vê uma lágrima escorrer pelo rosto do protagonista quase sem nos dar a impressão de que aquilo é o choro de alguém. Lindo – uma cena limpíssima de gestos e por isso mesmo riquíssima.
Nada de altíssima tecnologia – claro que temos drones - nada mais parece acontecer sem eles – mas o trabalho do ator, do diretor está ali. O ritmo é totalmente diferente do nosso e gosto muito dessa mudança forte de velocidade porque as vidas estão ficando insossas de tantos acontecimentos simultâneos. Não conseguimos mais saborear quase nada.
Há grandes dramas em discussão e talvez a maior delas seja porque as pessoas insistem em não conversar sobre seus dramas. Preferem morrer, matar, roubar, mas falar, se expor – aí não.
Um grande filme pra se ver e depois comentar em família – e aproveitar pra ouvir como está a vida de cada um de seus amigos, seus amores.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Filme triste, cru, cruel, como a vida. Cenários de vida real, roteiro de vida real. A escalada da degradação social perante os nossos olhos. Perante o que acontece de difícil o que podemos, devemos fazer? A vida é frágil, mas quando tudo corre bem ou estamos no ritmo das rotinas, nem pensamos nisso. Pensamos quando sofremos, quando surpresas desagradáveis acontecem, quando pessoas que amas precisam de ti. Aí é quando mostras o que vales. Este filme é duro mas é importante de ser visto. Outra cultura, outra forma de lidar com a vida, mas na verdade, tudo é mais do mesmo. Em qualquer canto do mundo precisamos saber o que é certo fazer. Seremos capazes de o fazer?
Atores verdadeiramente incríveis, planos inusitados, um roteiro que mais parece a vida de 90% do mundo, os que lutam todos os dias para sobreviver. O oriente mais uma vez nos mostrando que o cinema pode ser sensacional sem Hollywood.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações sobre o filme
Sinopse: Uma família de quatro fratura sob o peso de expectativas não atendidas, tragédia inesperada e orgulho intransigente.
Diretor: Mong-Hong Chung
Elenco: Chien-Ho Wu, Yi-wen Chen, Samantha Shu-Chin Ko
País: Taiwan
Link de informações: https://www.imdb.com/title/tt10883506/
Obrigada, vou assistir!