Um filme escuro como a falta de liberdade. Frio, gélido como a injustiça e o preconceito. O que faz a polícia ou alguém achar, pensar, acreditar que aquilo que ajuíza é mais certo do que o que as outras pessoas sentem? Que o seu achar tem preponderância sobre o dos outros? O que faz uma pessoa acreditar que a sua noção de amor e de família é melhor que as das outras? Aquela que faz com que um gay seja perseguido não por cometer crimes como roubar ou matar mas, pervertendo a ideia e transformando ser gay, com ser criminoso? Mas crime de quê? De seguir seu coração e procurar no mundo o lugar da sua felicidade?
Este é o argumento de ENTRE FRESTAS – um filme forte, denso, que causa profundo mal estar porque provoca perguntas desagradáveis - e que devem permanecer desagradáveis. A sua ignorância lhe faz “ver-se melhor” do que os outros? Mais sábio ou mesmo... sabido? Então, você precisa ver esse filme - para enojar-se de si mesmo e finalmente crescer.
Você julga o seu amigo gay só por isso? Julga mal o Super Man bissexual? E o que lhe faz achar, pensar, supor ser melhor ou mais certo que os outros? Quaisquer outros.
E se um policial percebe uma engenharia que envolve seus próprios pares para perseguir, prender e matar gays, apenas pelo fato de serem gays? O que é criminoso, afinal? Ser gay ou matar? Assassinar? Cometer homicídio doloso – aquele onde você mata porque quer, porque é cruel o suficiente, mau o suficiente, bandido o suficiente?
E se seu pai for policial e não lhe proteger, apenas porque você se sentiu envolvido por outro homem? E se ele lhe abandonar? Lhe entregar a essa gangue de policiais?
Que trama! É exatamente assim que a gente se sente, quando se deixa envolver pelo roteiro – ainda mais sendo ele baseado em fatos reais. Que espécie de sociedade olha para qualquer minoria e acha que tem o direito de “descartá-la”? De inferiorizá-la?
São duas horas de sofrimento que valem demais à pena. Não pelo fato da montagem ser perfeita - nenhum filme de baixo orçamento é – as cenas onde o protagonista “segue “ seus suspeitos de carro é quase infantil, de tão fraquinha. Mas o argumento se sustenta sozinho porque nós nos deparamos com essa extrema ignorância prevalente nas redes sociais – que julga, decide e massacra - o que talvez seja suficiente pra cada um de nós erguer os olhos, sentir extrema vergonha e pena da pobreza de quem somos e sairmos do poço do preconceito para finalmente procurarmos igualdade, liberdade e fraternidade para todos. O que está fora do significado de TODOS é egoísmo e ignorância. Nunca permaneça nesse ambiente, mesmo que ele esteja dentro de você.
Veja o filme com a “Família, a Sociedade e o Estado”. E progrida. Sua alma não está na vida pra marcar tanto passo.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
É um baque. O filme me recordou muito de uma viagem que fiz à Polônia, quando era jogadora de voleibol e do impacto que senti. Coincidência...o ano em que fui, foi o mesmo ano que o filme nos mostra. Um país lindo, com belos monumentos, estátuas, etc. Para além disso, não se vê...nada. Tudo se fazia escondido, até o câmbio de dólares para a moeda local, num canto da entrada de um hotel de cinco estrelas. As lojas...vazias. E nessas lojas vazias, uma fila de 20 pessoas, no frio, aguardando para serem atendidas. Nas prateleiras, dois litros de leite. E a fila no exterior, de 15 pessoas. Impressionante.
Num contexto tão complexo, acrescentava-se a criminalização da população lgbtqia+. Terrível. Muito duro. Tudo isso abria espaço para vidas de mentiras, inundadas de segredos, vidas vividas pelo meio. Homossexualidade considerada crime, uma vida doentia, marginal, de gente de mau caráter. A única e curta fala da mãe, diz tudo. É duro ver um filme assim e perceber quantas pessoas sofreram tanto, tanto, apenas por escolherem a verdade de si, a coragem de viver de forma honesta e pelo seu coração. A coragem de não se esconderem, fossem quais fossem as consequências. Me vergo a essas pessoas, a esses seres inteiros.
Um filme incrível. Um roteiro que te prende, que te angustia e que te mergulha de cabeça no filme. Maravilhoso. Atores sensacionais. Muitos deles bem jovens. Bom cinema. Muito bom cinema.
Um filme que deve ser visto, conversado, mostrado a jovens, a idosos, a pessoas que ainda não entenderam que a vida só tem jeito quando vivida de verdade. Tente não perder.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Polónia, 1985. Não satisfeito com o resultado de uma investigação de homicídio, um jovem oficial em Varsóvia comunista parte sozinho para desvendar a verdade. Robert, esse jovem policial, encontra um serial killer gay. No decorrer da investigação, ele conhece Arek. Ele decide utilizá-lo como informante, sem perceber o quanto essa relação afetará não só seu trabalho, mas também sua vida pessoal.
Diretor: Piotr Domalewski
Elenco: Tomasz Zietek, Hubert Milkowski, Marek Kalita
Informações e trailer: