O filme dá aquela vontade medieval de levantar e “sentar a mão na cara de alguém”. Os PMs de Pernambuco que cegaram duas pessoas por “raivinha”? “Revoltinha”? Ótimo! Começaria tranquilamente pela cara deles.
Em 2 ESTRANHOS, há uma “permissão prévia” que eu e muita, muita gente não quer mais dar – chega, acabou. Quem dá esse direito para um PM só porque ele se acha superior naquele uniforme que somos nós quem pagamos, quem? Que espécie odiosa de possibilidade passa na cabeça de uma autoridade pra ela imaginar, achar, acreditar que não precisa tratar todos com respeito? O eletricista de Goiás que “cometeu o crime” de andar de bicicleta e isso irritar o PM de lá é outro exemplo!
Meus amigos que foram condenados sem prova – Zé, Ed, Edison – meu Deus, nem parece filme americano, quando se olha de perto! Que ultraje, que horror, que nojo!
Todo mundo precisa ver com seu filho ali ao lado, lembrando dessa desgraça que é fingir que não há racismo no Brasil, mesmo quando – ironicamente - os tiros e as armas apontadas, são apontadas por negros!
“...Existe um povo que a bandeira empresta,
Para cobrir de infâmia e covardia
E deixa-a transformar-se nessa festa,
Em manto impuro de bacante fria, meu Deus! (...)”
Castro Alves, “Navio Negreiro”
É isso - 2 ESTRANHOS. Que se encontram e encontram e encontram há séculos. E chega de olharmos de lado e culparmos os portugueses! Na saída da festa, dentro do ônibus, em cima da moto, à noite, de dia, nós permitimos. Por quê?
Mas a infâmia é demais... Da nossa etérea plaga, temos que levantar-nos como os heróis do novo mundo! Temos. Não os governos. Somos nós que temos.
O filme apenas aponta, aponta, aponta. Sem parar. Sem descanso. Porque a vida real é assim.
Imperdível sentir a vergonha, o desconforto, a sensação de que nós nunca mais vamos permitir, ao ver. E que vergonha, que covardia senhores PMs, senhoras autoridades! Que espécie de proteção é essa? Onde e quem são os bandidos? Seremos todos bandidos?
Vereadoras trans – presente.
Marielle – presente.
Mortos da pandemia – presente.
Nunca mais calar, nunca mais se omitir – presente.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Curta-metragem premiada com Oscar, em 2021. Deveria ser incluída nos conteúdos abordados nas escolas com um debate no final. Em todas. Particularmente em zonas do mundo onde seres humanos de cor branca existem em maior quantidade. Não é possível continuarmos a permitir que tudo se mantenha na mesma, que consideremos que mortes, crimes, abusos, são exceção. Mais um enorme tapa na cara, este filme.
Um filme lindo, com atores lindíssimos, para além de imenso talento. Percebemos um domínio dramático de alto nível, principalmente em Joey Badass. Corpo e voz em sintonia perfeita. Um exemplo de um trabalho de ator primoroso.
Filme limpo, fluído, esteticamente belo, muito muito contundente.
Nós os brancos nunca temos a noção de vantagem, de espaço, de prioridade, de maior respeito pelos nossos atos, no dia a dia. Achamos sempre que tudo é igual para todos, quase sempre. E que, quando não é assim, é uma exceção. Nem imaginamos o que se passa de verdade. Não imaginamos nem metade. Os olhares que mudam, as abordagens, os comportamentos. Tudo o que se passa sem ser filmado, sem o mundo saber. Muita coisa errada, horrível, injusta, criminosa se passa, sem ninguém saber. E quando se sabe parece tudo muito exagerado. Só para quem anda mesmo a dormir muito ou a fazer de conta que não vê. E chega. É hora de dizer que é uma pessoa com empatia e ser mesmo. Na prática.
É um curta incrível, que diz o que tem a dizer e o que quer dizer. Parece fácil, mas não é não.
Vemos o medo se adensar no ser humano, que tudo o que faz é assustadoramente mal interpretado. O medo passa para o público. Você começa a ter medo de se mexer ou de não se mexer. De sair ou de ficar. De ser. E isso é algo que não podemos permitir que aconteça. Com ninguém.
O final do filme é tocante, de uma beleza estética e social incrível. Um filme feito por pessoas sensíveis, corajosas, incríveis. Mais filmes por favor. E que nos estimulem a sermos pessoas melhores com os outros. Por favor.
Ana Santos, professora, jornalista
Informações
Diretor: Travon FreeMartin Desmond Roe
Elenco: Joey Badass, Andrew Howard, Zaria
Sinopse: Um homem que tenta chegar em casa com seu cachorro fica preso em um loop temporal que o força a reviver um confronto mortal com um policial.