Filme fortíssimo, com Oulaya Amamra – ES-PE-TA-CU-LAR! – e que mostra, na França, a mesmíssima coisa que acontece no Brasil há anos: a sociedade inventa um status superior para si e propositalmente finge não ver a falta de oportunidade, aliada à falta do que fazer em todos os níveis, já que a escola e a família precisam – precisam – de aliados como o Bug Latino para lidar com princípios, ética e comportamento humano através de palavras e não de maus exemplos e indiferença.
Elenco primoroso, orgânico, num roteiro absolutamente realista e que variou muito bem a filmagem cinematográfica, com filmes nos formatos do Tik Tok, no celular – o que gera um mergulho visceral na vida daqueles meninos. Há momentos em que se perde o conceito de ficção e se cai no conceito de verossimilhança, o que causa profundo rancor, medo e perplexidade.
Sentimentos? Existem. Mas todos são atravessados por uma raiva quase ancestral – por que tem que ser assim? Por que temos que ver adolescentes sulistas fazendo a saudação nazista sem parar imediatamente o perigoso processo de idiotização? Por que Santa Catarina é um estado conservador “rico”?
Nenhuma opção, além da queda. Nenhuma proposta de enriquecimento através de trabalho. Nenhum mergulho que não envolva marginalidade. E, claro, há o amor – mas o sentido, o fogo, vem mesmo da raiva por não poder existir.
A participação de Déborah Lukumuena é luminosa. De novo, nenhum ator com as luzes internacionais acesas sobre eles, mas essas duas meninas “gerem” nossos sentimentos e os levam em todas as direções.
A escuridão do filme aponta para a vida que estamos permissivamente aceitando para os entregadores de comida como “um futuro”, mesmo sabendo que falta de oportunidade não é futuro pra ninguém e que não dá pra evoluir fazendo entregas a vida inteira.
O final – claro – como na vida real – é dramático. Se eu pudesse escolher com quem assistir, certamente escolheria um tipo de político brasileiro – e ele seria “bombardeado” de questões muito antes de que o filme acabasse, tenham certeza. Mas muito nós podemos – e devemos - fazer por essa geração. A começar por assistir com muita atenção à DIVINAS. Um filmaço.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Uma trilha sonora brutal!
Algumas cenas são totalmente proprioceptivas, algo raro e extremamente difícil de fazer em cinema, já que a direção não consegue tocar o público, nem passar sensações corporais. Particularmente as cenas entre a protagonista e o bailarino, são de uma beleza muito tocante. Um filme bonito e um filme real, do mundo duro das jovens das comunidades – aqui, em Paris – mas representa qualquer comunidade já que as regras são muito semelhantes na dureza, na frieza, no perigo.
Atores sem botox, sem “recauchutagens” corporais. Corpos de verdade, atores de verdade. Oulaya Amamra uma jovem atriz, impressionante – bonita e talentosa. Kévin Mischel, lindo, um dançarino moderno sensacional. Saliento estes dois pelo protagonismo de Oulaya e pela arte de Kévin, mas todos os atores são sensacionais. Gente nova, gente poderosa.
Podemos dar muitas leis, dizer como se deve viver, mas a realidade destas pessoas que já nascem em desvantagem e sem oportunidades saudáveis, em conjunto com toneladas de frustrações, problemas, dívidas, sofrimento, falta de futuro, dificilmente é diferente da que vemos no filme. Penso sempre na enorme pena que sinto em não serem canalizadas pela sociedade e para uma sociedade melhor, as capacidades, os talentos, a coragem, a ousadia, o compromisso, a lealdade e tantas outras qualidades impressionantes que mostram num mundo tão pesado e asfixiante. Nós sociedade, precisamos fazer mais e melhor. É cansativo ver os ricos e favorecidos sempre querendo mais enquanto os desfavorecidos por mais que lutem, têm sempre aqui ou ali bloqueios, armadilhas, ruas sem saída estabelecidas nas próprias vidas, nas condições possíveis, que não os deixam sair da engrenagem.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Duas amigas se tornam traficantes para ganhar dinheiro e sair do subúrbio de Paris onde moram.
Direção: Houda Benyamina
Elenco: Oulaya Amamra, Déborah Lukumuena, Kévin Mischel.
Trailer e informações:
https://www.imdb.com/title/tt4730986/