Num País como o Brasil – cheio de dogmas religiosos muitas vezes incompreensíveis, como “Deus ter escolhido um presidente que todo mundo viu que foi votado e não ungido”, precisamos ver filmes onde existe a ideia de que até Deus coloca em xeque muitas coisas que “dizem” que foi Ele quem falou.
“Deus falou comigo, você acredita”? – era assim que o bispo Carlton Pearson compartilhava a ideia de que Deus não seria a imagem e o exemplo de toda a bondade, se condenasse seus filhos à danação eterna - fazia muito mais sentido a mensagem que supunha ter ouvido. Perdeu tudo, foi expulso de todos os lugares, não entendia aquela mensagem, mas não poderia deixar de exterioriza-la como servo do Senhor. Deixou de ter sua igreja, deixou de exercer o sacerdócio, deixou de ter fieis e lá estava a mesma mensagem em prol dos totalmente excluídos.
E como se diz que “Deus escreve certo por linhas tortas”, só depois de ter perdido tudo ele teve “olhos de ver”; percebeu o peso da fé das pessoas que ficaram e reergueram com ele uma nova igreja, totalmente inclusiva, com aqueles a quem a religião apontava como “candidatos ao inferno”. E ali todos couberam com amor, com ardor.
Quanto de “obrigação” há na evangelização de vizinhos por fieis, a cada final de semana? Haverá amor? E se houver, ele vê uma situação qualquer da vida e sabe aceitar como alguém capaz de amar? Aceitar sem nenhum julgamento; apenas aceitar. Nosso Pastor do filme fazia isso, mas a maior parte de seus fieis debandou.
Um filme pra reanalisarmos nossa fé, nossa crença na Bondade Divina derramada sobre a humanidade e sobretudo sobre o pecado, conforme muitas vezes ele nos é apresentado. Então ser gay pode ser visto como pecado e roubar do Tesouro Nacional, do dinheiro da compra de vacinas, não? Quem sabe Deus não pediu que outras perguntas humanas pudessem responder a dogmas? Ser gay prejudica alguma pessoa sobre o planeta? ... Então ser ou não gay não interessa a mais ninguém e não pode ser pecado, nem crime, nem nada porque é apenas uma forma de ser. Roubar dinheiro das vacinas que salvam vidas, como todos veem, prejudica alguém? ... Então, isso sim é pecado contra Deus e crime contra os homens. Que tal inserir uma simples pergunta, antes de começar a bater no peito e dizer que Deus está mandando fazer isto ou aquilo? Deus castigou 600 mil mortos? Sem ar? Afogados sem água? E isso, só contando com o Brasil porque foram milhões que morreram assim.
Eu me senti atingida pelo filme. Impactada mesmo. Principalmente porque ando cansada de justificativas diversas para tudo o que conta e não conta e que misturam Deus para justificar o injustificável. Porque ser de fé é diferente de ser cego, senhores. Ser de fé é inclusivo. Todos podem professar juntos sua fé, ainda que diferentes entre si porque em toda fé cabe Deus. O que for exclusivo, que salve você, mas não seu vizinho, desculpe, mas desconfie. Deus nunca vendeu bilhetes e nem lugares especiais, poltronas especiais. O que Ele nos deu, deu pra todos nós. Sem divisões. E o filme mostra isso. Nesse sentido, Deus fala com todos. Você tem ouvido Sua voz?
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Baseado em fatos reais, é um filme muito interessante, apesar de incômodo, para assistir nestes tempos atuais. Bons atores, planos muito bem escolhidos para momentos emocionantes, difíceis, na vida do Pastor Carlton Pearson.
Um Pastor muito respeitado, de uma igreja muito famosa e rica, por circunstâncias pessoais, percebe que talvez aquilo que prega todos os dias não seja exatamente assim. Se questiona, procura saídas, respostas, de forma honesta, sincera e intensa. Mas, uma igreja que é famosa, com pessoas muito poderosas, não quer que nada incomode seus lucros. Tampouco quer que as pessoas questionem sua espiritualidade e questionem que sentido afinal tem a vida, o pecado, a salvação. Parecem querer apenas seguir o caminho estabelecido e ter dinheiro em caixa. Mundo perfeito.
Interessante ver como o Pastor que era tão amado, admirado, com tanto sucesso, só encontra problemas, exclusão, chegando a sentir-se mesmo como um pária, quando questiona porque só deve ser perdoado e salvo quem paga o dizimo, quem faz o que é apregoado na sua igreja. Porque as pessoas que não são “perfeitas” aos olhos do mundo e da religião - excluídos, criminosos, pecadores, etc, não têm direito a salvação? Quem somos para nos considerarmos perfeitos ao ponto de apontarmos aos outros, seus defeitos, seus pecados, seus caminhos e decidir quem merece salvação? Ter o sapato a brilhar significa que serei salva? Ter dinheiro? Só ter amigos perfeitos? Família? Ter um filho gay é ter um filho que não existe, como com um dos “donos” da igreja, no filme? E se todos merecessem ser salvos, significa que podemos fazer o que bem quisermos? Como perdemos o bom senso, a ponderação, o respeito, a humildade, quando seriam valores como esses que a religião deveria desenvolver? Que mundo confuso, estranho, errado. Alguém apenas diz que defende a democracia e a partir daí pode ter os comportamentos mais absurdos, mais autocráticos, mais ditatoriais. Alguém basta apenas dizer que Deus está acima de todos e outras frases de aparente respeito a Deus e depois maltrata pessoas, ri da miséria humana, deixa as pessoas à sua própria sorte numa pandemia tratando-as como cobaias, fazendo média entre pessoas que comem muito e as que não têm o que comer para afirmar que pela média ninguém passa fome, etc, etc, etc... Basta então saber fazer o sinal da cruz? Basta então saber rezar? Dizer a palavra democracia? A partir daí tenho salvo conduto para destruir, esmagar, mentir? Quando acordaremos? Talvez seja bom fazer o que Barack Obama uma vez aconselhou, enquanto presidente - talvez seja bom as pessoas lerem a Bíblia, se questionarem, pensarem por sua cabeça e nunca esquecerem que todos devem ser incluídos, quando se toma uma decisão social. E, repensar a culpa. Essa espada espetada em cada pessoa como uma prisão, quando alguns da sociedade apenas acham que eles prestam e você, segundo suas regras, não presta. Veja o filme.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: O Evangelista Carlton Pearson é ostracizado por sua igreja por pregar que não há inferno.
Diretor: Joshua Marston
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Gerard Catus, Allie McCulloch.
Informações e trailer: