Que filme! Há um clima, no enredo do filme, que gela a sua espinha a cada vez que você se depara com o vilão. Ele é fácil de localizar – aliás, dá pra localizar quem ele é desde a cena 1. Tem todos os traços que geram a necessidade de distanciamento: da sujeira, à falta de sociabilidade, generosidade, educação básica. É fácil, pra quem assiste, imaginar desfechos horríveis para às possíveis vítimas de seus ataques. É fácil imaginar que ele tem habilidades de manipulação do coletivo que lidera, que seus vaqueiros vão obedecer a qualquer ordem sua.
Você vai vê-lo, ardilosamente, começar a destruir uma pessoa, vai vê-lo em ação ridicularizando um menino que parece ser totalmente indefeso, vai vê-lo a ser mesquinho ao inferiorizar o seu próprio irmão. O vilão, portanto, é facílimo de localizar. Como na vida, você vê a cobra na sua frente e não sabe como avisar a todos que fujam e fica imaginando o pior o tempo inteiro. Fica ali lidando com o seu tremendo mal estar.
Está tão distraída sofrendo, que apesar de ver uma estranha construção sendo feita, não consegue atinar pra onde ela levará o filme. Até que percebe que no confronto entre o forte e o fraco, o sinal indicado do resultado pode não ser propriamente o resultado mais óbvio. E percebemos que a inteligência, a frieza, o foco, a análise do acontecimento podem garantir que o jogo não seja decidido assim de uma maneira tão esperada.
Isso deixa um buraco na nossa mente: afinal, um ratinho enfrenta uma cobra e a mata, apenas sendo o melhor de si, mas friamente? Quem vai tão longe com o intuito de salvar e salvar-se? E Isso abre um novo fosso onde você mergulha na tentativa de descobrir se, na mesma situação, decidiria por aquele caminho e se teria frieza para seguir em frente, apesar do que ardilosamente planejou e executou.
Enquanto espectador, você fica ali assistindo sem acreditar. É quase uma coisa que você não quer ver, que não quer permitir que ocorra. Mas ali está a sedução, o sedutor e o seduzido – e você nega a visão, nega a ação.
Já no final, totalmente perplexa, você tem que admitir que enfrentar a força tem um exercício de condicionamento nosso. “Ele é o presidente, não pode ser enfrentado; ele é o empresário, não pode ser vencido; ele é o policial, não pode ser desobedecido” – mas – se ele usar o poder para falir pessoas e ambientes e você souber quem são e como serão falidos, fará algo ou será a “vítima-cúmplice” da vez?
Decisão difícil de aceitar ao ver. Você seria capaz de atacar? Teria a coragem?
Imperdível de assistir. Uma obra incrível.
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Tem cheiro de Óscares, no filme, nos atores, na fotografia, no roteiro. Um filme difícil de definir. Roteiro surpreendente, chocante, realista e incómodo. Repleto de simbologia. Os filmes de Jane Campion têm sempre a presença da natureza de uma forma impressionante, quase uma personagem e seus planos soberbos têm muita influência nisso. Atores já consagrados com desempenhos incríveis. Além disso, um espantoso Kodi Smit-McPhee. Pai ator e irmã atriz ajuda bastante. Mas tem algo de precioso nele, não sei se o olhar, a boca, a estética corporal, o mergulho que aceita fazer no personagem. Talvez tudo isso. O que sei é que é um ator estonteante e com um futuro fabuloso.
Ingénuos sempre somos ao achar que o ser humano é previsível. Mas ele, é surpreendente e sempre será. E isto não é necessariamente um elogio mas um facto que devemos ter em conta na vida. Também de nada adianta fazer distinções entre os fortes e os fracos, porque isso é fantasia pura do nosso desejo de engavetar e dividir o mundo. Para se defenderem ou para protegerem os que amam, as pessoas são capazes de muita coisa que nem elas se achavam capazes. E também desejar dominar o acontecimento da vida dos outros pode não suceder muito bem como o esperado.
Existe uma beleza pura e enternecedora nos comportamentos e no coração de um dos irmãos que, no meio daquela aridez da natureza e das relações humanas, é uma benção dos céus. E pode muito bem nos servir para os dias de hoje. Não precisamos, como o filme bem lembra, de seguir a “manada”, de seguir as vozes mais sonoras se não concordamos com essa forma de ser. Sempre vale a pena seguir nosso jeito, tratar bem as pessoas e esperar o melhor delas. E, claro, evitar tudo o que é tóxico. Incluindo Antrax.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: Dois irmãos que possuem um grande rancho em Montana são colocados um contra o outro quando um deles se casa.
Diretor: Jane Campion
Elenco: Benedict Cumberbatch; Kirsten Dunst; Jesse Plemons.
Trailer e informações: