O Festival Varilux é sempre muito bem recebido e esperado, com escolhas de filmes que, como este, A FAVORITA DO REI, são como grandes espetáculos. Não se poderia a brir o Festival de maneira mais contundente, acreditem.
Primeiro adendo: a gente acabou esquecendo como Johnny Depp é excelente ator, dada a quantidade de encrencas ao redor de suas relações. Mas sim... como ele, em silêncio, com olhares – muitos, insistentemente fulminantes – deu luz a um Luís XV bem construído, entre o gentil e o corajoso, “o galinha” e o ardiloso galã gentil. Maiwenn – que roteiro, que direção, que atriz. A forma “tátil” que ela usou para construir Jeanne, desconstrói a “socialmente prostituta” para reconstruí-la como “a mulher mais sensível”. A forma amorosa que ela usava para moldar em suas mãos, o olhar... Sua habilidade na construção dessa personagem foi mesmo impressionante. Benjamin Lavernhe, também silenciosamente soberbo e sensível, toca o lugar mais íntimo do nosso coração com uma lágrima, apenas...
Mas para além da atuação perfeita dos atores, preciso apontar dois elementos sem os quais A FAVORITA DO REI não nos tocaria tão profundamente, antes mesmo da cena 1 acontecer: a trilha sonora, feita por Stephen Warbeck é soberba, emocionante, perfeita, capaz de nos trazer profunda emoção antes mesmo que a tela se abra. Mas quando a cena 1 se inicia, nós compreendemos o significado de uma narração bem feita – desta vez por Stanilas Stanic. A entonação, sempre discreta, não deixa de apontar e transformar totalmente a nossa visão de Jeanne, que vai de prostituta – socialmente apontada - a heroína – emocionalmente aceita e aclamada (pelo menos dentro de mim). Pontuação, pausas, intenções, colorido, prosódia – tudo ao redor da palavra falada foi extremamente funcional. Artisticamente funcional. Emocionantemente funcional.
Imperdível.
A ironia indefectível é estar numa sala de cinema onde a voz em off leia mal as instruções em caso de incêndio pra cair de cabeça na perfeição da narração francesa...
Ana Ribeiro, diretora de cinema, teatro e TV
Em primeiro lugar agradecer o sempre honroso convite que é dirigido, a mim e a Ana Ribeiro e ao Bug Latino para assistir à cerimônia de abertura do Festival. Em segundo lugar dizer da alegria que é, sempre, assistir a este festival, ano após ano, com filmes extraordinários. A França sempre fazendo o caminho justo e importante que gostaríamos de ver sendo feito por outros países – o meu, Portugal, por exemplo, e o meu país de acolhimento, o Brasil de igual modo. Este Festival, Varilux, é um passo extremamente importante na circulação da história da França, sua cultura, sua arte, seu empreendimento em outros países e continentes. Ações boas devem ser seguidas, não entendo porque mais nenhum país se envolve tão profundamente, não copia o modelo, não investe desta forma na sua imagem e na sua saúde cultural e mental.
O filme fala da vida de Jeanne Bécu, que eu desconhecia, penso que muitas pessoas a desconheciam também, por isso estes filmes são também importantes – saber do passado, perceber o percurso de algumas pessoas no mundo, nos ajuda a entender o que viemos fazer e a dar mais importância aos nossos atos.
Uma produção gigantesca, mas igualmente maravilhosa, afinal, filmar nos locais onde a história aconteceu, é sublime, mais sublime ainda quando os locais são os palácios e castelos impressionantes de França. Atores conhecidos, talentosos, famosos. Johnny Depp nos lembra o quão bom ele é, como domina as expressões faciais, os olhares, a prosódia. E Maïwenn? O que dizer de Maïwenn? Um roteiro e uma direção intocáveis, sendo ao mesmo tempo, a personagem principal como atriz. Nem sei dizer onde foi melhor porque foi soberba em todas as “funções”. Muito expressiva, intensa, utilizando as mãos de uma forma que me encantou particularmente – alguns planos são muito impactantes, como quando limpa as lágrimas do “amigo” que fez na vida, com o servo do Rei.
Que filme, que desempenho, que produção, que bom quando se pode assistir a filmes desta qualidade. A trilha sonora é espetacular e nos dirige de imediato, desde início, para o “clima” do filme – linda!
O tema central do filme nos atravessa a vida a todo o instante – merecemos mais do que o que temos? Merecemos menos? Onde está a varinha de condão justa que decide o que podemos ser, o que podemos atingir? Porque alguém que nasce plebeia, filha ilegítima, não pode, naturalmente, ser amante, amiga e íntima do Rei? Talvez nunca tenhamos uma resposta, uma solução. E vamos, enquanto sociedade, impedindo as pessoas de serem quem podem ser, quem merecem ser, quem precisam ser. Uma sociedade que não admite ser contrariada. Onde a crítica e a destruição da vida alheia é mais frequente do que a preocupação com sua própria vida. Precisamos amadurecer, crescer, ser melhores. Ver um filme com uma história de vida tão sincera, intensa, verdadeira, deve servir-nos de exemplo.
Não perca. É de 2023 mas é atualíssimo.
Obrigada França, obrigada Aliança Francesa, obrigada Varilux e todos os restantes apoiadores, por este festival.
Ana Santos, professora, jornalista
Sinopse: A vida de Jeanne Bécu, que nasceu como filha ilegítima de uma costureira empobrecida em 1743 e subiu na corte de Luís XV para se tornar sua última amante oficial.
Direção: Maïwenn
Elenco: Stanislas Stanic, Maïwenn, Johnny Depp
Trailer e informações:
https://www.imdb.com/title/tt17277414/
Programação Festival Varilux de Cinema Francês, Salvador